quinta-feira, 17 de outubro de 2013

As representações de beleza transmitidas pelos filmes infantis - SHREK (Parte II)



Apresentando... Shrek!

Para fazer uma análise a respeito das representações de beleza presente no filme Shrek, cabe antes fazer um pequeno resumo da história para situar melhor quem lê. O filme retrata a trajetória de um Ogro, Shrek, que tem seu pântano tomado por personagens de contos de fadas. Determinado a salvar seu lar, Shrek faz um acordo com Lorde Farquaad e parte, na companhia de um burro falante, para salvar a princesa Fiona, a futura noiva do lorde, que está trancafiada em um castelo, guardada por um dragão. Na verdade, o lorde tem interesse em casar pois quer torna-se rei e para isso precisa de uma princesa. Porém, esta guarda um segredo, que quando revelado causa espanto a todos.
Que monstruosidade é essa?
A filme começa com Shrek lendo uma história de contos de fadas. Ao fundo, toca uma canção romântica durante a leitura. A história é sobre uma linda princesa adormecida que é trancafiada em uma torre guardada por um dragão, esperando ser salva pelo verdadeiro amor. Nesse momento, Shrek rasga a página do livro, exclamando: “Como se isso fosse acontecer!”. Ouve-se então um barulho de descarga e Shrek esmurra a porta do banheiro. Começa a tocar uma outra música mais animada (Smash Mouth). Durante essa música, o ogro aparece cuspindo, peidando num lago e arrotando. O espelho quebra diante sua feiúra. Só nesse início, já é possível pensar que há uma certa intenção de chocar quem assiste ao filme, pois são aspectos que não são veiculados em novelas, seriados e outros filmes, pois fazem parte da intimidade das pessoas. Em outro momento, Shrek retira cera do ouvido para fazer vela.
O ogro é perseguido por moradores por ser diferente, uma “monstruosidade”. Em outras partes do filme, é possível identificar essa questão, principalmente vindo do próprio Shrek que se isola de todos no pântano. Quando o burro livra-se de guardas do Lorde Farquaad por causa de Shrek, resolve acompanhá-lo por não ter amigos. Porém, Shrek faz de tudo para mantê-lo afastado: “Olha para mim. O que eu sou? Sou um ogro! Não te incomoda isso?”. Mas o burro não lhe dá bola. Isso porque ele também sente-se rejeitado pois fica sozinho e não tem ninguém, chegando a achar que é diferente. Em um momento chega a reclamar para Shrek que “é muito chato ser considerado anormal”. Enquanto o dois vão atrás de Fiona, Shrek compara os ogros a uma cebola que tem camadas e diz que “há mais do que se imagina nos ogros”. O Burro pergunta-lhe se ele não pode ser como um bolo ou pavê que as pessoas gostam, mas Shrek diz não se importar com o que todo mundo gosta. Na verdade, Shrek acabou construindo uma barreira para não ter que lidar com essa questão.
O pântano de Shrek é invadido por seres dos contos de fadas. O lobo mau deita-se na sua cama e os sete anões colocam a Branca de Neve, que está numa redoma de vidro, na sala. Quando Shrek aparece para expulsá-lo, todos se assustam diante sua feiúra porém quando diz que falará com o Lorde para devolver suas terras, os seres dos contos de fadas o aclamam como se fosse rei. Recebe de passarinhos uma coroa de flores e um manto vermelho, relembrando a Bela Adormecida. Essa situação também se repete quando Shrek, já no castelo do Lorde, precisa lutar com guerreiros que disputariam entre si a missão de salvar a princesa Fiona. No início, o público olha para ele horrorizado, mas depois Shrek acaba ganhando a simpatia de todos sendo aplaudido por ter ganhado a luta.
Em outro diálogo, Shrek diz ao burro que “às vezes as coisas são mais do que parece”. O burro lhe acusa de estar afastando-se das pessoas:
B: - “ O que você está escondendo? Quem está tentando manter longe?”
S: - “Todo mundo, ok?”
B: - “Qual é o problema? O que você tem contra todo mundo?”
S: - “Não sou eu que tenho problemas, ok? É o mundo que parece ter um problema comigo. As pessoas olham para mim: ‘Ah, socorro! Um ogro horrível!’Elas me julgam antes de me conhecer. Por isso que estou melhor sozinho”.         
A diferença acaba por ser ignorada, eliminada ou excluída, pois escapa ao padrão definido pela sociedade.  
Existe um reino mais perfeito do que o meu?
Na verdade, o que o Lorde quer é tornar-se rei, mas para isso precisa de uma princesa. É o que diz o espelho da Branca de Neve, capturado pelos seus guardas, quando Farquaad pergunta se existe um reino mais perfeito que o dele. O espelho passa então a apresentar as “candidatas” à noiva (como se estivesse apresentando um concurso de beleza): Cinderela, Branca de Neve e Fiona. O interessante na apresentação de Cinderela é a indicação de seu “hobby”: “cozinhar e limpar para as duas irmãs más”, como se ela fizesse isso porque quer (e por serem tarefas femininas) e não porque é mandada. Outra curiosidade é que as candidatas servem para todos os gostos: uma morena, uma ruiva e outra loira (que não poderia faltar). Após a escolha do Lorde, o espelho começa a dizer que “existe uma pequena coisa que acontece a noite com Fiona que ele precisa saber”, mas o Lorde não lhe dá atenção.
O bem e o mal
O castelo onde Fiona está aprisionada é escuro e sombrio, como todos os outros castelos do mal são retratados nos filmes infantis (como fica o castelo da Bela Adormecida quando Malévola surge como um dragão). O castelo fica numa montanha coberto por nuvens pretas ao redor de um rio de lavas. Essa é uma forte característica dos filmes infantis: há uma clara distinção entre o bem e o mal, retratada através das cores e sons, pois as cores claras são utilizadas para mostrarem os heróis e as escuras representam os vilões.
O dragão surge no escuro para dar medo ao telespectador. Porém, quando encurrala o Burro e este começa a elogiar seus dentes, o Dragão aparece na luz: é rosa, com cílios grandes e pintados e batom - um dragão fêmea. O cenário muda de cor, torna-se mais claro, menos assustador. O dragão fêmea assume uma fisionomia simpática. Acaba apaixonando-se pelo burro.
Chatice que cospe fogo?
Um aspecto relevante do filme que pode ser analisado sob a perspectiva dos Estudos Feministas surge no seguinte diálogo, quando os personagens estão entrando no castelo para salvar a princesa Fiona:
- Burro: “Onde está essa chatice que cospe fogo?”
- Shrek: “Lá dentro, esperando que a gente a salve!”
- Burro: (RISOS) “Eu estava falando do dragão, Shrek!”.
Através desse diálogo podemos ver claramente como se caracterizam e são representadas as relações de gênero. Além de “chata”, podemos pensar que a mulher é considerada tagarela ou estúpida e bruta ao falar. Claudia Rael, ao estudar as protagonistas da Disney, cita o caso da princesa Ariel, que para tornar-se humana aceita dar sua voz à Bruxa Úrsula. Esta diz que os homens gostam de “garota caladinha”, “retraída” e “quietinha”. Rael analisa que “o ideal feminino vai se constituir a partir da lógica binária do masculino/feminino, onde o primeiro termo é valorizado e se opões ao segundo termo visto como negativo” (RAEL, 2002:48). Neste caso, as atitudes femininas são definidas a partir do homem que acaba tendo o poder de determinar as atitudes das mulheres podendo falar sobre elas.
Resgatando a princesa
Um outro momento do filme onde também podemos analisar as questões de gênero é durante o salvamento de Fiona. Graças ao dragão, Shrek desmorona na torre onde está a princesa. Ao vê-lo chegar, deita-se na cama, fingindo estar adormecida. Tem até um buquê de flores a sua disposição. Quando Shrek aproxima-se, Fiona faz um bico com a boca para receber um beijo, mas ele sacode-a, perguntando se é a princesa. Esta responde que sim e que estava “aguardando um cavalheiro corajoso que viesse me salvar”. Durante toda essa cena, acabamos por relembrar os contos de fadas, bem como a posição da princesa frente ao seu príncipe encantado que veio salvá-la. A própria Fiona mostra que esse tipo de história não muda e o enredo é sempre o mesmo. Sua expectativa também é baseada no romantismo típico às princesas:
- “Espera cavaleiro! Encontramo-nos finalmente. Não deverá este ser um momento maravilhoso e romântico?”.
- “Rezo para que aceites esse favor como prova de minha gratidão!” (Fiona entrega a Shrek um lenço, mas este enxuga o suor e lhe devolve). 
- “Você não matou o dragão? Mas não está certo. Você deveria ter entrado com uma espada numa mão e na outra um estandarte. Foi o que os outros fizeram”.
Após saírem do castelo Fiona diz que eles devem se beijar. Shrek reclama que isso não estava no contrato, mas a princesa diz que o beijo é o destino, que seria o primeiro beijo do amor verdadeiro. Shrek revela então que o príncipe é o Lorde Farquaad que pediu para salvá-la. Fiona fica furiosa: “Eu tenho que ser salva por um verdadeiro amor e não por um ogro e o seu burro.”
Essas falas de Fiona revelam o quando o romantismo está associado ao feminino. É característica dos filmes infantis a princesa ser retratada como sendo sentimental, ficando a espera do príncipe encantado.
Durante a volta ao castelo do Lorde, Fiona canta com um passarinho, como no filme A Bela Adormecida. Podemos perceber o quanto a música é um recurso bastante utilizado nos filmes por sinalizarem uma certa importância emocional das cenas, descrevendo sentimentos dos personagens. Nessa cena, a voz suave da princesa reforça um forte característica da representação feminina.
Os filmes infantis também acabam por reproduzir um comportamento desejável às mulheres. Em uma cena, Shrek arrota e o burro o repreende dizendo que não era maneira de portar-se na frente de uma princesa. Esta então arrota:
- Burro: “Ela é tão nojenta quanto você?”.
- Shrek: “Ela é diferente!”
- Fiona: “Talvez não devêssemos julgar antes de conhecer.”  
O diálogo retrata que atitudes são consideradas adequadas para uma mulher, pois ao arrotar Fiona não é considerada uma princesa normal (afinal, elas também tem suas necessidades fisiológicas), mas sim diferente como se essa atitude não fizesse parte do universo feminino. Uma outra atitude que causa estranhamento aos personagens masculinos é quando a princesa luta com Robin Hood e seus amigos (no final do filme, dá a entender que esses personagens são homossexuais pois dançam YMCA do grupo Village People). Lutar é associado ao homem pois exige força e destreza, características associada ao homem. Esse é o único momento do filme em que o personagem feminino salva o personagem masculino pois o mais comum de acontecer é o contrário.
Princesa = beleza
Antes de a princesa ser entregue ao Lorde, o Burro faz uma descoberta: Fiona foi enfeitiçada por uma bruxa e transforma-se num ogro à noite. O feitiço só seria quebrado com um beijo do verdadeiro amor e assim assumiria sua verdadeira forma. Por isso precisa casar-se com o lorde antes do por do sol.
Nesse momento da história, o diálogo entre os personagens revela muitos discursos em torno do que é ser princesa e de como essa posição social está associada à beleza. Seus padrões “regulam os lugares onde as pessoas se permitem amar serem amadas: a partir deste lugar conferido pela beleza, a figura da princesa apresenta-se como apta para protagonizar o amor” (GOMES, 2000: 21). Primeiramente, o Burro tenta convencer Shrek a declarar-se para Fiona, mas Shrek diz que não adiantaria nada pois ela é uma princesa e ele um ogro. Após, Fiona lamenta-se para o Burro:
- “Eu sou uma princesa e não é assim que uma princesa deve parecer.”
- “Quem poderia amar alguém mais nojento e feio. Princesa e feiúra não combinam”.
As princesas, como a maioria das protagonistas não só dos filmes infantis, mas as que aparecem na mídia em geral, são sempre representada como jovens bonitas, esbeltas, com voz, traços e formas mais suaves, “que utilizam roupas e adereços que marcam sua condição feminina e lhe proporcionam uma aparência sedutora”( RAEL, 2002:65). Fiona também é uma princesa com corpo esguio, voz suave, olhos verdes e cabelos ruivos. Procurei selecionar figuras das principais princesas e protagonistas da Disney para mostrar as semelhanças: moças brancas, com narizes pequenos, que usam longos vestidos, muitas vezes sendo chamadas de belas. Paola Gomes, em sua tese de mestrado, conclui que existem traços típicos entre as princesas e outras mocinhas e heroínas e que estas não são “características aleatórias; o nariz pequeno das princesas, por exemplo, está carregado de alusões à pueridade que, por sua vez remete à inocência, qualidade necessária para que o amor romântico se realize da forma mais pura” (GOMES: 2000: 181).
O corpo perfeito também é associado à beleza e tem sido destaque na mídia. Nos filmes infantis não encontramos protagonistas mais “cheinhas”. Essa representação geralmente é feita com as vilãs ou criadas e empregadas das histórias. Há também uma preocupação em relação ao uso de roupas e adereços apropriados ao personagem, evidenciando belas formas e transmitindo sensualidade. “Tudo isso são construções sociais e culturais que marcam os corpos dos sujeitos e estabelecem a conformação dos mesmos às regras sociais, estéticas e morais dos grupos a que pertencem” (RAEL, 2002: 68). Assim, essas marcas servem como regulação social que indicam as identidades dos sujeitos e o seu destino na história.
Quem ama o feio, bonito lhe parece.
Durante o casamento, Shrek surge para declarar seu amor por Fiona. Esta diz que precisa lhe falar a verdade e espera o pôr do sol para mostrar-se como ogro. Shrek diz que a ama e os dois se beijam. Começa a transformação: a cena remete-nos ao filme A Bela e a Fera, quando esta se transforma em príncipe encantado. Porém Fiona continua como ogro. Não entende:
- Fiona: “Eu deveria estar linda.”
- Shrek: “Mas você está linda!”
Essa transformação parece surpreender, pois há uma certa expectativa de que Fiona torne-se novamente uma princesa humana. É como se o final feliz fosse merecedor apenas para o belo.
O filme foi considerado pela crítica como um “anti-contos de fadas”, talvez por retratar intimidades que não costumam aparecer na mídia e por terem como personagens principais figuras que fogem ao padrão de beleza estabelecido pela sociedade. O mocinho é um ogro e seu companheiro um burro falante, e a princesa ao final assume a forma de um ogro. Porém mesmo assim a história constitui-se de um conto de fadas, por apresentar os mesmos elementos como a donzela em perigo e o final feliz, entre outros.
Durante todo o filme, pudemos perceber práticas discursivas a respeito da mulher e principalmente da beleza, sendo abordado inclusive a beleza interior. Conforme Paola Gomes, a beleza tem um padrão bem definido pela sociedade e assim, a feiúra passa a ser “ tudo aquilo que por detalhes ou evidências, escapa ou se opõe a esse padrão. Quanto mais rigidamente o olho estiver acostumado a apreciar o padrão, maiores serão as dificuldades para aceitar o que está fora desse padrão” ( GOMES, 2000: 187). São as diferenças que não são aceitas ou que são excluídas em função da identidade padrão.
E o final da história? Eles viveram felizes para sempre.
Palavras finais????
Os desenhos animados, como vimos, fazem circular discursos sobre beleza, sexualidade e gênero. Por ser uma das instâncias culturais que participam da constituição de identidades e subjetividades, precisam ser analisadas com um olhar crítico.
Muitos saberes veiculados pela mídia são tomados como verdades. Os filmes infantis reforçam as oposições binárias: bem ou mal, heróis e vilão, homem e mulher; valorizando o primeiro elemento. Essas imagens produzem modos de ser que constituem subjetividades.
Em relação a beleza, tratada nessa pesquisa, há um discurso do belo, do corpo perfeito e das mulheres que são produzidos para seduzir e encantar as pessoas. Pois ao consumirmos essas imagens, estamos absorvendo a idéia da eterna juventude das princesas bem como o desejo de um amor ideal e felicidade para sempre.
Ao veicularmos os filmes infantis nas escolas, parece importante questionar que tipos de discursos são transmitidos. Este artefato cultural não deve ser considerado apenas como entretenimento, mas sim um importante local de cultura infantil que colabora na constituição de sujeitos.

quarta-feira, 16 de outubro de 2013

As representações de beleza transmitidas pelos filmes infantis - SHREK (Parte I)



Introduzindo a questão...

Para tal análise, assisti ao filme Shrek e realizei leituras de autores como Guacira Louro, Rosa Fischer, Henry Giroux, Tomaz Tadeu, Sandra Corazza, entre outros. A escolha de tais autores ocorreu pelo fato de abordarem através de seus estudos e pesquisas assuntos que tratam sobre feminilidade, mídia, subjetividade, currículo, gênero, questões estas que discuti na análise.
Primeiramente, inicio com uma discussão sobre a mídia, considerada aqui como sendo todos os meios de comunicação em massa, bem como sua influência na formação da identidade das pessoas. As imagens veiculadas são carregadas de significações que produzem saberes e verdades, indicando formas de pensar, de sentir e conhecer, ensinando as pessoas modos de ser e de estar na sociedade e na cultura. Procuro também realizar uma análise a respeito do currículo, considerando-o diretamente ligado às práticas culturais dos alunos. Após, procuro mostrar a importância de analisar os filmes infantis como um artefato cultural que assume um caráter educativo e contribui na constituição de identidade e subjetividade das crianças. A mídia pode ser considerada como uma instância educativa por ser um meio de produção e reprodução de discursos, saberes e informações onde circulam concepções de gênero, classe social, sexualidade, raça, entre outras.
Após, faço a análise sobre as representações de beleza veiculadas pelo filme Shrek. Nela, mostro como os filmes infantis fazem circular um discurso sobre o que é ser belo. Na maioria das vezes, a beleza está associada às princesas. Estas são retratadas como um modelo de perfeição, com corpos esguios, traços finos e longos cabelos sedosos.
Por fim, retomo algumas considerações feitas ao longo da análise.
“Máquina de ensinar”
Atualmente, é visível a forte e marcante presença da mídia na vida cotidiana. Com o crescente avanço tecnológico bem como a facilidade de acesso da grande maioria da população a este, temos como resultado a massificação da cultura. Além disso, muitas pessoas utilizam a mídia como fonte de conhecimento, pois por fazer uso de sons e imagens e por proporcionar, em alguns casos, uma interatividade do meio de comunicação com o usuário, transforma-se num atrativo maior do que o livro.
Diante desse quadro, percebemos o quanto a mídia acaba assumindo um importante papel na educação das pessoas por tornar-se uma nova “máquina de ensinar”, expressão usada por Giroux ( GIROUX, 1995). As informações contidas nos programas, reportagens, revistas, jornais, desenhos animados, Internet, entre outros meios, constituem-se de discursos cujas mensagens são tomadas como verdades.
Rosa Fischer, em suas pesquisas, mostra que a mídia torna-se um dispositivo pedagógico na medida em que ela participa da constituição de identidades e subjetividades por veicular imagens que “de alguma forma se dirigem à ‘educação’ das pessoas, ensinando-lhes modos de ser e estar na cultura em que vivem” ( FISCHER, 2002: 153). A mídia acaba por ser uma instância social que produz e reproduz conceitos sobre os mais variados aspectos, valorizando um tipo de comportamento. Com isso, acaba tornando-se “uma forma de regulação social que reproduz padrões mais comumente aceitos em uma sociedade”( SABAT, 1999:245).
As representações de gênero, sexualidade, raça, etnia são “consumidas”, tendo como principal referência modelos hegemônicos, que estão de acordo com interesses da classe dominante. Assim, negam-se as diferenças culturais e se estabelece um padrão a ser seguido. O modo como aprendemos a ser, a comportar-se, a vestir-se se constitui com a ajuda inegável dos meios de comunicação.
Essa produção e reprodução de saberes e discursos nas diversas instâncias culturais, bem como a veiculação de produtos, destinado às crianças, nos meios de comunicação apresentam uma forte ligação com a prática educativa e com o currículo escolar (FISCHER, 2002).
As crianças, por também terem seu processo de formação da subjetividade e identidade influenciadas pela mídia, acabam por trazerem para a sala de aula situações presenciadas ou vividas, que muitas vezes acabam tornando-se significativa para ela e para a turma. Situações como estas também devem ser consideradas pela professora como parte do currículo escolar por fazerem parte da realidade das crianças. Este já não deve ser considerado apenas como uma mera listagem de conteúdos a serem ensinados, pois é somente a isso que ele, tradicionalmente, é associado. Conforme Bujes, os Estudos Culturais apresentam o currículo como parte da cultura que o aluno traz para a sala de aula. Os conteúdos escolares seriam o “produto de uma seleção efetuada no seio da cultura”(BUJES, 1999: 161). A seleção é de acordo com a relevância frente a um momento histórico, porém a cultura também determina sua seleção, por que “é através do currículo que os diferentes grupos sociais, especialmente os dominantes, expressam sua visão de mundo, seu projeto social, sua ‘verdade’” ( CORAZZA, 1998: 25). O currículo tradicional acaba por privilegiar alguns estudantes, reforçando a desigualdade de outros, negando as diferenças culturais existentes em uma sala de aula. Conceber o currículo como um artefato cultural é considerá-lo como uma prática social que produz significações e identidades, valorizando assim as diferenças culturais decorrentes da raça, sexualidade, etnia, etc.
A educação não se dá apenas nas escolas, mas também em outras instâncias sociais e culturais como shopping center, brinquedos e brincadeiras, filmes, desenhos e programas infantis. Fora da escola, a criança convive com uma gama de informações vindas dos mais diversos meios de comunicação e que muitas vezes levam isso para a sala de aula.
Um dos principais aparatos da mídia trazido para sala de aula, principalmente na faixa etária dos 2 aos 8 anos, mais ou menos, são os filmes infantis. Estes acabam sendo usados como entretenimento durante o recreio com chuva ou como instrumento pedagógico para ensinar algum conteúdo (ex: assistir ao filme Vidas de Inseto para se estudar os insetos ou Shrek para entender a vida nos castelos, situações por mim vivenciadas). Porém, esses filmes infantis também fazem circular discursos e representações que auxiliam na constituição das identidades e subjetividades das crianças e também dos adolescentes.
Giroux escreveu alguns textos sobre a importância de considerarmos os filmes infantis como um artefato cultural. O próprio título de um deles “A Disneyzação da cultura infantil”, já permite pensar na forte supremacia dos filmes da Disney na cultura das crianças. Por fazerem uso de cor, sons e movimentos, cada vez mais aperfeiçoados pelo avanço tecnológico, os filmes infantis são considerados bons para as crianças pois “estimulam a imaginação e a fantasia, reproduzem uma aura de inocência e saudável aventura” ( GIROUX, 1995:51), construindo uma cultura de alegria para elas.
Cabe também mencionar o quanto os filmes da Disney estimulam o consumismo das crianças. Além do filme, é colocado à disposição no mercado diversos produto relacionado a ele como artigos para festa de aniversário, brinquedos em geral, materiais escolares, entre outros. A publicidade encarrega-se de veicular propagandas que seduzem as crianças fazendo-as quererem adquirir tais produtos.
Talvez, devido ao fato dos desenhos infantis estarem associados ao lúdico e ao prazer, estes produtos culturais acabam sendo considerados “inocentes” demais para merecerem uma atenção e análise de estudiosos. Porém, os Estudos Culturais nos mostram a necessidade de tomarmos a indústria da mídia como uma pedagogia cultural, sendo assim um possível objeto de análise.

segunda-feira, 14 de outubro de 2013

Pensamentos sobre ética e moral



A moral de acordo com Kant, “é aquilo que precisa ser feito, independentemente das vantagens ou prejuízos que possa trazer”. Assim, quando praticamos um ato moral, poderemos até sofrer conseqüências negativas, pois o que é moral para uns pode ser amoral ou imoral para outros. Veja o exemplo:
A família do Sr. João tem o costume de tomar banho junta. Pai, mãe e filhos (meninas e meninos) sempre tomaram banho juntos. É cultural, dentro da casa, a exposição do corpo nu entre eles sem que haja conotações de sexualidade ou de promiscuidade. No entanto, seus vizinhos, regidos por uma cultura totalmente avessa a esse tipo de comportamento, quando ficaram sabendo do banho coletivo familiar daquela família, passaram a denomina-la de imoral. Esse simples e pequeno exemplo, pode justificar o que foi afirmado acima: que ações morais, para uns, podem ser imorais para outros. Não há como definir quem está “certo” ou quem está “errado”, é uma questão cultural familiar, de uma micro-sociedade.
Duas pessoas podem ter valores diferenciados a respeito do que seja ato moral ou imoral, é uma questão de consciência pessoal. Daí o conceito do Kant sobre “aquilo que precisa ser feito”.
Para qualificar, ou seja, para normatizar o que é ou não moral em micro e macro sociedades, instituíram-se os códigos de ética. Todas as sociedades têm o seu. Pode ser documentado com parágrafos e capítulos ou pode ser, no caso de algumas culturas, uma forma de viver aceita pelos seus membros. Na Índia existem algumas aldeias em que os mais velhos mutilam sexualmente as meninas ainda crianças extirpando o seu clitóris. Não está escrito em lugar algum que isso deve ser feito, mas todos, apesar da revolta do resto da humanidade, mantém essa atitude em nome de um ato ético que diz que, naquela sociedade a mulher não pode sentir prazer.
Os códigos de ética, então, servem para definir o que é e o que não é ato moral. Em nossa sociedade capitalista que valoriza a posse de bens materiais e do lucro em detrimento dos valores morais, o que vale é não quebrar o código de ética estabelecido. Assim, quando um deputado, senador, prefeito ou vereador aumenta o seu salário em 300%, argumenta sem constrangimento que “a legislação nos permite essa manobra”, colocando a culpa em um regimento, estará sendo ético, mas, imoral ao mesmo tempo. A democracia, mal interpretada no seu objetivo, autoriza a sociedade, de modo geral, a usar de qualquer forma manipulativa, que não atente aos códigos de ética como os regimentos e código penal, por exemplo, para o acúmulo de bens. 
A minoria apoiada pelos políticos, pelos capitalistas, enfim, por quem detêm o poder, cada vez ganha mais e, conseqüentemente, acumula mais. Por outro lado temos a maioria dessa sociedade que não possui essas habilidades e oportunidades, ou não se interessa por elas. Representam o contraponto das diferenças sociais, no qual algumas pessoas possuem o que não conseguiriam consumir em sua existência e por isso esbanjam adquirindo carros de milhões e casas suntuosas, desvirtuando por completo o conceito de ética representar bons costumes e bons valores, e por outro lado indivíduos mantendo suas famílias com salário mínimo e vivendo uma sub vida, na miséria. É ético? Sim! Pois não viola as leis do sistema. É moral? Não! Pois viola os direitos humanos em toda a sua essência. Conseqüências? Muitas! Principalmente no quesito, aumento do comportamento anti-social como a corrupção, sonegação, agressividade e violência, o que resta a muitos como recurso para demonstrar a sua indignação.
O termo moral é derivado do latim morale, que significa relativo aos costumes. Pode ser definido também como a aquisição do modo de ser conseguido pela apropriação ou por níveis de apropriação, onde se encontram o caráter, os sentimentos e os costumes.
Em alguns dicionários define-se a moral como: os conjuntos de regras, costumes e prescrições a respeito de comportamentos e condutas, que podem ser consideradas válidas, éticas, quer de modo absoluto para qualquer tempo ou lugar, quer para grupos ou pessoa determinada, estabelecidas e aceitas pelas comunidades humanas durante determinados períodos de tempo.                    
Portanto, o termo moral significa tudo o que se submete a todo valor onde devem predominar na conduta do ser humano as tendências mais convenientes ao desenvolvimento da vida individual e social, cujas aptidões constituem o chamado sentido moral dos indivíduos.
Para o Direito Moral é um conjunto de regras no convívio. O seu campo de aplicação é maior do que o campo do Direito. Nem todas as regras Morais são regras jurídicas. O campo da moral é mais amplo. A semelhança que o Direito tem com a Moral é que ambas são formas de controle social.
Existem algumas teorias que podem explicar melhor o campo de aplicação entre o Direito e Moral, quais sejam: As Teorias dos Círculos (Du Pasquier) - toda norma jurídica tem conteúdo moral. Mas nem todo conteúdo Moral possui um conteúdo jurídico. Exemplos: Dever de sustento do pai para com o filho; incesto. Entre outras teorias como: Teorias dos Círculos Secantes (Jeremy Bentham), Teoria do Mínimo Ético (Georg Jellinek).

quarta-feira, 9 de outubro de 2013

Análise do livro - Políticas Sociais e Transição Democrática: Análises Comparativas de Brasil, Espanha e Portugal.



Qual a idéia principal do texto?
A intervenção do estado na economia brasileira e as repercussões nas definições das políticas sociais do Brasil, a transição dos governos e governantes e dos regimes políticos de cada época.

Em que momento histórico-social, foram criadas as políticas-sociais?
Momentos de agitação na área econômica, de repressão no regime militar e do Neoliberalismo na Era Collor, a política social sempre se adaptou ao contexto políco-ideológico, preservando seu caráter de ação compensatório, destinada aos pobres, carentes e desamparados.

Localize no texto as políticas sociais e o ano de sua existência, e o regime político da época.
O texto inicia nos anos 30, pois antes da Revolução de 30 não existia um estado central no Brasil; a sociedade brasileira era dividida em oligarquias regionais  com dinâmica própria e independente e os governos antes desta década não traçaram políticas nacionais.
Na era Vargas (1930-1950) criou-se o Estado, populista e regulador, deu-se o inicio da industrialização e dos sindicatos. A criação do Ministério do Trabalho para fiscalizar e regular os sindicatos, além de leis que proibiam greves.
O período Vargas responde pela montagem dos primórdios das bases institucionais necessárias à construção do capitalismo.
Abandonando as questões pouco relevantes para a construção das bases do capital, centraliza a atenção no social: a fixação do salário mínimo, política de previdência social por categorias, criação de sindicatos urbanos.
No governo JK (1956-1961) ocorre à abertura da economia brasileira para o capital estrangeiro, esculpiu instrumentos de financiamento e represa os salários. É tempo de euforia, crescimento, êxodo rural, o plano de metas, a construção de Brasília. Sob a égide de uma democracia, que não se assumia, os sindicalistas mantinham-se atrelados ao estado com liberdade limitada, os partidos de esquerda impedidos de legalidade. A classe trabalhadora vista como ameaça. O governo JK é responsável pela recessão que o país atravessa a partir do final de sua administração.
O período Goulart (1961-1964) é o de mais alta tensão. A classe trabalhadora entra pela porta dos fundos, defendendo um projeto nacional como um pacto entre classes mas a burguesia não aceita.
A partir de 1964, o conjunto de forças que compõe o populismo, foi destruído e o operário sufocado pelo regime militar.
Adota-se uma política recessiva, sem oposição dos mos movimentos sociais e operários. Perseguição a líderes sindicais, prisões ilegais de intelectuais, etc. salários são congelados, criação de bases institucionais para novo ciclo de concentração de renda no Brasil. A reforma tributária, a reforma administrativa, a modernização do aparelho público, centralização do poder federativo, mudança na legislação trabalhista, a instituição do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS), universalização dos direitos (aposentadoria, educação), implementação de grande parte das políticas sociais.
Ao final de 1974 a recessão e a economia brasileira entra em crise.
(1975-1977 a 1980) período de alternância crítica do regime e tentativa de retomada do crescimento, eleições diretas, reformulação partidária e  fortalecimento da burguesia.
Eleição de Tancredo Neves (1989), imposta pela mídia com respaldo da classe dominante. Morre antes de assumir. Entra em cena o vice, José Sarney, que sem legitimidade política assume o governo encaminhando o país a um processo de crise política, econômica, social e moral.
Após as eleições diretas em 1989, assume Fernando Collor de Mello (1990-1992) que é a própria escultura de políticas neoliberais, transforma-se numa força poderosa, confisca a moeda com o apoio do STF, mas apesar do poder embrulha-se em corrupção, extorsão e rompimento com partidos políticos, fato este principal, culminando com o Impeachment  em 1992. ano este em que assume Itamar Franco, dando continuidade e aprofundando as políticas propostas pelo antecessor.
A eleição de Fernando Henrique Cardoso (1994-2002) coloca um ponto final na transição, define-se o liberalismo, as palavras de ordem passam a ser eficiência e competitividade. Apesar de se declarar como social-democrata é condutor e fiador do projeto neoliberal no Brasil. 

 
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

SANTOS, Reginaldo Souza. Políticas Sociais e Transição Democrática: Análises Comparativas de Brasil, Espanha e Portugal. São Paulo: Mandacaru; Salvador: Cetead, 2001.