quarta-feira, 20 de novembro de 2013

Resenha Crítica - Olga

Resenha Crítica do filme Olga

A história de Olga é relatada na forma de um longa metragem. Judia e comunista, Olga Benário (Camila Morgado) chega ao campo de concentração de Ravensbrück, de onde passa a se lembrar de períodos marcantes de sua vida. A partir daí, vemos que o destemor já era uma das características de Olga desde a infância. Na juventude, milita entre os comunistas alemães, o que a leva tanto a enfrentamentos na rua, com os nazistas, como em casa, principalmente com a mãe (Eliane Giardini). Após participar da ação de resgate do líder socialista (e seu amante) Otto Braun (Guilherme Weber), Olga inicia treinamentos na URSS, de onde recebe o encargo de escoltar o revolucionário Luís Carlos Prestes (Caco Ciocler), em seu retorno ao Brasil. Na viagem, os dois começam um caso de amor, interrompidos com o insucesso do levante comunista de 1935. É quando começa o calvário de Olga. Presa, ela é separada do amado e enviada, grávida, para a Alemanha, então dominada pelos nazistas. A heroína acaba tendo sua filha literalmente retirada de seus braços. Em seguida, é transferida para Ravensbrück, onde, após uma série de padecimentos, o ciclo dessa história se fecha com a morte de Olga na câmara de gás.
O diretor e responsável pelo filme não diminui suas críticas ao Estado brasileiro e à figura do ditador. Foi fundo nas responsabilidades. Demonstrou o crime de se deportar uma sonhadora grávida e revolucionária (sem jamais ter matado ninguém), pelo crime de ser judia comunista e, sobretudo, por ter amado um brasileiro que se opôs à sua ditadura pessoal.
O Brasil, com suas imensas contradições, devem ter abalado às certezas de Olga, mas isto por obra dos nazistas daqui e de lá, jamais saberemos. O que sabemos é que Olga, ao contrário de seu companheiro ilustre, jamais transigiu ao poder. Morreu tributária de suas convicções e de seu casamento com os pobres e oprimidos. Dificilmente, Olga teria aceitado apoiar Vargas, apesar de tudo, porque assim os soviéticos desejaram. Mesmo sendo alemã e judia, Olga, de algum modo, foi profundamente brasileira. Estará viva em nossa memória para sempre, pois faz parte da história do Brasil.
Sendo assim, termino esta com a seguinte frase a qual achei interessante, dita por Olga antes de morrer:
"(...)" Lutei pelo justo, pelo bom e pelo melhor do mundo. Prometo-te agora, ao despedir-me, que até o último instante não terão porque se envergonhar de mim. Quero que me entendam bem: preparar-me para a morte não significa que me renda, mas sim saber fazer-lhe frente quando ela chegue (apud MORAIS, 1985 p.294).

BENÁRO, Olga, filme de Jayme Monjardim, Gênero: Drama; Duração: 141 min. 

Autor: Gecionil Mastelaro

quarta-feira, 6 de novembro de 2013

Análise crítica: Da medicina do trabalho a saúde do trabalhador



A medicina do trabalho, ou com a denominação mais atual, saúde do trabalhador é um tema amplamente debatido no âmbito do capitalismo, pois trata do bem mais precioso das organizações: a produtividade dos funcionários.
Os estudos referentes a essa vertente são recentes e ainda estão em desenvolvimento, mas levando em consideração os trabalhos disponíveis é possível traçar uma idéia de como começou, seu desenvolvimento e situação atual.
Podemos verificar que com a explosão da necessidade de mão de obra, surgido na Revolução Industrial na primeira metade do século XIX, o consumo da força de trabalho - resultante de um processo acelerado e desumano - estava extinguindo a força vital dos trabalhadores e um colapso no sistema era questão de tempo, a menos que fosse feito algo para restabelecer as condições de saúde dos mesmos. Preocupado com essa situação o proprietário de uma fábrica têxtil Sr. Robert Dernham procura seu médico particular Dr. Robert Baker e solicita auxilio para resolver o problema cada vez mais aparente do processo de adoecimento de seus funcionários. A solução apresentada pelo médico era de ele mesmo ser inserido no interior da fábrica para verificar as condições de trabalho naquele ambiente e os efeitos do mesmo sobre as pessoas, sendo de sua total responsabilidade a ocorrência de problemas de saúde nos trabalhadores. Com o aceite do Sr. Dernham nasce em 1830 o primeiro serviço de medicina do trabalho.
Este modelo primordial era centrado na figura do médico, sendo o mesmo onipotente e o responsável pela manutenção do bem-estar físico e mental dos trabalhadores, e sua prática era fundamentalmente no ambiente de trabalho.
A partir disso, os serviços médicos aos trabalhadores começam a refletir no cenário internacional através da Organização Internacional do Trabalho (OIT) e tiveram seu primeiro instrumento normativo de âmbito internacional em 1959, através da Recomendação 112 que aborda aspectos legais, definição, métodos e organização dos serviços.
Com a evolução do processo industrial, da tecnologia, e principalmente pelos reflexos ocorridos na década de 40 durante e após a II Guerra Mundial – tanto pela perca quanto pelo adoecimento de mão de obra, a medicina do trabalho da forma como era vista começou a apresentar-se impotente para intervir sobre os problemas de saúde da classe trabalhadora.
Foi necessário agregar instrumental de outras disciplinas e outras profissões para ampliar a área de atuação médica direcionada ao trabalhador, nesse contexto multidisciplinar intervencionista ocorre um upgrade no conceito de Medicina do Trabalho para Saúde Ocupacional, agregando conhecimentos da saúde pública sobre riscos ambientais, formas de controle de agravos e atuação da equipe para minimizá-los. Nesta época foram introduzidos os conceitos e práticas de enfermagem no âmbito da saúde ocupacional. Prezou-se por uma abordagem mais científica, visando interferir no ambiente de trabalho para controlar os riscos ambientais, melhorar as questões de higiene e qualidade do ambiente ao qual o trabalhador estava exposto.
Cabe destacar que os ideais da saúde ocupacional não foram plenamente atingidos, pois o modelo continuou mecanicista, tratando o trabalhador como objeto e a interdisciplinaridade não foi completamente aceita culminando em um novo debate acerca do tratamento a ser aplicado aos trabalhadores e uma forma de abordagem onde fosse aproximado a teoria da prática e houvesse maior interação entre a equipe de medicina do trabalho e os trabalhadores.
As alterações políticas, o movimento social e dos trabalhadores, as questões humanitárias e todas as transformações ocorridas a nível mundial pós II Guerra Mundial determinaram as mudanças que veremos nas questões da saúde ocupacional.
Desse intenso processo social de mudança surge uma nova ótica que se enquadra nas questões atuais do processo de saúde e doença, onde o termo de saúde ocupacional deu lugar a Saúde do Trabalhador.
Apesar das dificuldades conceituais e práticas, a saúde do trabalhador busca explicações do adoecer das pessoas de forma articulada com o conjunto de valores, crenças e idéias. Essa nova abrangência considera o trabalho no quesito de organizador da vida social, onde os trabalhadores participam da análise das condições de trabalho e auxiliam para torná-lo mais saudável. O trabalhador é visto como parte do processo e indivíduo atuante nas melhorias das condições de trabalho.
A aplicação deste conceito atual de saúde do trabalhador é positivo, pois mostra uma visão holística do ambiente, não só de trabalho como do social do indivíduo e busca parceria do mesmo na resolução dos problemas encontrados baseando o processo de saúde-doença como marco inicial do trabalho da medicina preventiva.
No Brasil o processo foi um pouco mais demorado, mas ocorreu nos mesmos moldes internacionais e com o apelo social e sindical ratificou-se o novo modelo de pensar sobre o processo saúde-doença e os conceitos de saúde do trabalhador foram incorporados.
Este debate sobre saúde no âmbito do trabalho ainda está sendo desenvolvido e cabe aos profissionais da área e meio acadêmico, aperfeiçoar e disseminar novas sementes buscando expandir os conceitos existentes e criar novas alternativas de desenvolvimento para a saúde do trabalhador como um todo, melhorando com isso o ambiente de trabalho e propiciando condições mais dignas ao trabalhador.

segunda-feira, 4 de novembro de 2013

A questão habitacional no Brasil até os anos 90



No Brasil, há um conjunto de alternativas (aluguel, compra no mercado formal etc.) que não consegue responder a crescente demanda social por habitações.
Poderiam ser arroladas as seguintes alternativas de equacionamento do problema da moradia.

  • O aluguel nas condições conhecidas contrata por tempo indeterminado e sempre sujeito a ser requisitados pelo dono do imóvel
  • Mercado Formal das empresas de construção civil, com possibilidade de financiamento pelo SBPE – Sistema Brasileiro de Poupança e Empréstimo
  • Programas de interesse, desenvolvido pelo BNH (extinto em novembro de 1986, suas funções e programas foram absorvidos pelo CEF – Caixa Econômica Federal)
  • Nessa modalidade incluem - se os conjuntos residenciais construídos por: COHABS – Companhias de Habitação, Cooperativas de Habitação, Institutos, Mercado de Hipotecas, empresas, Sindicatos e outros como o PRÓ-MORAR – Programa de Erradicação de Habitações subnormais
  • Mercado informal – paralelo ou clandestino formado pelas moradias sem licença das prefeituras, pelas populações de baixa renda, (autoconstrução – mutirão)
  • Ocupações de áreas públicas ou privadas ou construções semi-acabadas.

Um estudo mais aprofundado das políticas públicas em geral e da política habitacional em particular, no Brasil, conduz, no mínimo, a uma discussão quanto á sua eficácia. Azevedo & ANDRADE (1982) analisam as políticas engendradas pelo poder público na área de habitação popular e de saneamento urbano através da Fundação da Casa Popular (FCP), criada em 1946, e do Banco Nacional da Habitação, criado em 1964. De modo quase didático e com base em uma série de evidências empíricas, os autores demonstram as origens da atual política habitacional no período dos governos populistas, calcada em princípios distributivistas e com uma nítida perspectiva clientelista, marcada pelo “paternalismo autoritário”.
Segundo os autores, evidencia-se que tanto mais se destinou verbas para a construção de habitações populares quanto mais se buscou respaldo popular para os vários governos do período populista.
Entretanto, as realizações da Fundação da Casa Popular (FCP) evidenciam a baixa prioridade que os governos populistas concederam ao problema da habitação, embora se admita que “para uma avaliação rigorosa da política habitacional do populismo fosse necessária a incorporação de informação sobre a atuação dos instintos, das caixas de pensões, do poder publico estadual e até mesmo de algumas prefeituras de grandes cidades”.
A questão habitacional no Brasil começa a emergir no contexto da intensificação do processo de industrialização da economia, que remonta ao inicio do século passado, tendo como ingredientes a abolição da escravatura, o declínio da economia cafeeira (1929) com a migração campo-cidade e a chegada de imigrantes europeus, especialmente em São Paulo. A conseqüência desta combinação de fatores foi percebida pelas elites, na medida em que , sem oferta habitacional planejada para a demanda crescente, predominaram formas precárias de abrigo através do aluguel de quartos  em cortiços, casas de cômodos e estalagens , sempre com alto grau de adensamento, insalubridade e insegurança.
A primeira resposta pública ao problema foi a adoção de uma política de reformas urbanas de caráter higienista e de uma legislação rigorosa de controle urbanístico, aplicada as áreas centrais da cidade. Há também o registro de algumas iniciativas de estímulo á construção de cortiços com melhores condições de salubridade, através de linha especiais de financiamento.
Estas medidas começaram a surgir, a partir da década de 1930, formas igualmente precária de ocupação, porém mais afastadas das áreas nobres. Estas, então denominadas favelas, mocambos, alagados, palafitas, vilas ou malocas, de acordo com a região, se caracterizavam por processos de ocupação espontânea de áreas desvalorizadas, geralmente com condições ambientais adversas, como encostas ou áreas alagavam.
Paralelamente, ainda no final da década de 1970, inicia-se uma forte mobilização da sociedade brasileira em prol da democratização, cuja organização girava em torno de demandas específicas vinculadas a alguma dimensão da questão urbana. Movimento da moradia e dos sem terra (urbano), movimento pela regularização de loteamentos, movimentos de favelas pelo acesso aos serviços de água, luz e esgoto e movimento pela instalação de creches comunitárias são lutas que surgem ao mesmo tempo em que cresce a resistência ás ações de remoção de favelas. 

O que mudou? Está mais fácil o acesso a moradia? Como referência para esta análise usamos bibliografias de 1992 e 1999, anteriores ao PMCMV.  Mas podemos destacar que muitas das questões aqui levantadas continuam bem atuais e se pegarmos o mesmo texto daqui a dez anos, creio que pouca coisa terá mudado. 

domingo, 3 de novembro de 2013

Análise crítica baseada em questões do filme: O Clube do Imperador



1) O filme narra a historia de um professor (Hundert) e um aluno displicente (Bell) e mal educado que é obrigado pelo pai, um rico senador e um dos principais mantenedores da escola, a estudar. Desde o primeiro dia de aula, ele fica tentando chamar a atenção de todos com suas gracinhas de mau gosto. O professor Hundert o aconselha a deixar a estupidez de lado e estudar, empresta-lhe um livro dizendo que todas as matérias e assuntos estão nele e que irão ajudá-lo no Concurso Julio Cesar e o vencedor ganhará um coroa de louros como na Roma Imperial. O aluno Bell se dedica aos estudos. O drama tem inicio quando Hundert está avaliando o ensaio dos alunos e fazendo a lista dos classificados, ao perceber que Bell foi bem nas provas mas não ficou entre os três finalistas, Hundert entra em conflito. Ele acredita que Bell merece uma chance, mesmo sabendo que outro aluno tinha se saído melhor nas provas, deixa seus princípios éticos de lado e levado pela emoção, coloca Bell entre os três finalistas. Durante a final do concurso, Hundert percebe que Bell está colando e tentando corrigir uma injustiça, pois para o professor, a vida de um cidadão deveria ser regida por princípios de integridade e honestidade, comunica o diretor o que estava ocorrendo. E então percebe que os valores que ele pregava e acreditava não eram compartilhados pelo diretor, que ao saber do fato simplesmente diz a Hundert para ignorar o ocorrido, pois o pai de Bell estava presente. Desacreditado na capacidade de a escola mudar o caráter do ser humano, Hundert se decepciona, numa tentativa de aplacar sua consciência moral e ser justo, faz então uma pergunta que não estava no contexto e Bell responde dizendo que não sabe. Na decisão de Hunter, os princípios morais envolvidos foram a ética, integridade, justiça e caráter. Quanto à decisão de Hundert em relação à manipulação dos resultados das provas para a classificação final e do resultado final do concurso, acredito não ter sido uma decisão correta, pois nas duas situações ele se deixou levar primeiramente pela emoção e não pela razão. Na tentativa de recuperar Bell e acreditar ser capaz de mudar o seu caráter e sua conduta, esqueceu de todos os princípios que acreditava e pregava, a ética e a retidão de conduta, o que o levou a um grande conflito moral e a culpa por ter prejudicado o aluno desclassificado. Quando 25 anos depois Bell o convida para mediar uma revanche ele aceita imaginando que a vida havia ensinado caráter e integralidade ao aluno novamente ele se decepciona ao perceber que Bell esta novamente colando e lhe mentiu e enganou.

2) O filme nos mostra que o ser humano é imperfeito. A falta de caráter e a desonestidade existem em todos os lugares e até mesmo pessoas que sempre seguem esses princípios, podem uma hora ou outra, ter algum deslize. Como quando o professor apostou na mudança do Sedgewick, passou por cima dos seus princípios para classificar o aluno e acabou descobrindo que ele estava colando na final do concurso.

3) É que os princípios morais como a ética, respeito, justiça, caráter, transparência, com foco maior no caráter não se molda e não se transmite, mas que vamos construindo desde a infância ao longo do que vamos vivenciando. Porém esse conjunto de regras de conduta, às vezes são deixados de lado pelo ser humano como aconteceu com o professor, causando marcas na sua trajetória da vida. Podemos apontar as cenas onde o professor Hundert fica impressionado ao perceber o esforço do aluno e começa a lhe estimular, emprestando livros, e na sala de aula, com tudo isso ele ficou classificado em quarto lugar e o professor desviando-se de seu caráter, acaba alterando o conceito e deixando o aluno em terceiro. Para sua decepção, na final do grande concurso, ele se depara que seu aluno não mudou em nada, estava colando para responder as perguntas e o professor para não continuar prejudicando os outros, resolveu fazer justiça e mudou imediatamente a pergunta, gerando em si um conflito moral. Quando retornam para um reedição do concurso ele percebe que o aluno estava colando novamente e que não havia aprendido nada com a vida.

4) Quanto a decisão do professor acredito ser correta no sentido que alterou a pergunta final para fazer justiça, tentando recuperar o erro, mas no sentido de alterar o conceito para beneficiar um determinado aluno, acho errado, pois prejudicou outros e foi contra seus princípios morais, custando-lhe anos de angústia e preocupação.

quinta-feira, 17 de outubro de 2013

As representações de beleza transmitidas pelos filmes infantis - SHREK (Parte II)



Apresentando... Shrek!

Para fazer uma análise a respeito das representações de beleza presente no filme Shrek, cabe antes fazer um pequeno resumo da história para situar melhor quem lê. O filme retrata a trajetória de um Ogro, Shrek, que tem seu pântano tomado por personagens de contos de fadas. Determinado a salvar seu lar, Shrek faz um acordo com Lorde Farquaad e parte, na companhia de um burro falante, para salvar a princesa Fiona, a futura noiva do lorde, que está trancafiada em um castelo, guardada por um dragão. Na verdade, o lorde tem interesse em casar pois quer torna-se rei e para isso precisa de uma princesa. Porém, esta guarda um segredo, que quando revelado causa espanto a todos.
Que monstruosidade é essa?
A filme começa com Shrek lendo uma história de contos de fadas. Ao fundo, toca uma canção romântica durante a leitura. A história é sobre uma linda princesa adormecida que é trancafiada em uma torre guardada por um dragão, esperando ser salva pelo verdadeiro amor. Nesse momento, Shrek rasga a página do livro, exclamando: “Como se isso fosse acontecer!”. Ouve-se então um barulho de descarga e Shrek esmurra a porta do banheiro. Começa a tocar uma outra música mais animada (Smash Mouth). Durante essa música, o ogro aparece cuspindo, peidando num lago e arrotando. O espelho quebra diante sua feiúra. Só nesse início, já é possível pensar que há uma certa intenção de chocar quem assiste ao filme, pois são aspectos que não são veiculados em novelas, seriados e outros filmes, pois fazem parte da intimidade das pessoas. Em outro momento, Shrek retira cera do ouvido para fazer vela.
O ogro é perseguido por moradores por ser diferente, uma “monstruosidade”. Em outras partes do filme, é possível identificar essa questão, principalmente vindo do próprio Shrek que se isola de todos no pântano. Quando o burro livra-se de guardas do Lorde Farquaad por causa de Shrek, resolve acompanhá-lo por não ter amigos. Porém, Shrek faz de tudo para mantê-lo afastado: “Olha para mim. O que eu sou? Sou um ogro! Não te incomoda isso?”. Mas o burro não lhe dá bola. Isso porque ele também sente-se rejeitado pois fica sozinho e não tem ninguém, chegando a achar que é diferente. Em um momento chega a reclamar para Shrek que “é muito chato ser considerado anormal”. Enquanto o dois vão atrás de Fiona, Shrek compara os ogros a uma cebola que tem camadas e diz que “há mais do que se imagina nos ogros”. O Burro pergunta-lhe se ele não pode ser como um bolo ou pavê que as pessoas gostam, mas Shrek diz não se importar com o que todo mundo gosta. Na verdade, Shrek acabou construindo uma barreira para não ter que lidar com essa questão.
O pântano de Shrek é invadido por seres dos contos de fadas. O lobo mau deita-se na sua cama e os sete anões colocam a Branca de Neve, que está numa redoma de vidro, na sala. Quando Shrek aparece para expulsá-lo, todos se assustam diante sua feiúra porém quando diz que falará com o Lorde para devolver suas terras, os seres dos contos de fadas o aclamam como se fosse rei. Recebe de passarinhos uma coroa de flores e um manto vermelho, relembrando a Bela Adormecida. Essa situação também se repete quando Shrek, já no castelo do Lorde, precisa lutar com guerreiros que disputariam entre si a missão de salvar a princesa Fiona. No início, o público olha para ele horrorizado, mas depois Shrek acaba ganhando a simpatia de todos sendo aplaudido por ter ganhado a luta.
Em outro diálogo, Shrek diz ao burro que “às vezes as coisas são mais do que parece”. O burro lhe acusa de estar afastando-se das pessoas:
B: - “ O que você está escondendo? Quem está tentando manter longe?”
S: - “Todo mundo, ok?”
B: - “Qual é o problema? O que você tem contra todo mundo?”
S: - “Não sou eu que tenho problemas, ok? É o mundo que parece ter um problema comigo. As pessoas olham para mim: ‘Ah, socorro! Um ogro horrível!’Elas me julgam antes de me conhecer. Por isso que estou melhor sozinho”.         
A diferença acaba por ser ignorada, eliminada ou excluída, pois escapa ao padrão definido pela sociedade.  
Existe um reino mais perfeito do que o meu?
Na verdade, o que o Lorde quer é tornar-se rei, mas para isso precisa de uma princesa. É o que diz o espelho da Branca de Neve, capturado pelos seus guardas, quando Farquaad pergunta se existe um reino mais perfeito que o dele. O espelho passa então a apresentar as “candidatas” à noiva (como se estivesse apresentando um concurso de beleza): Cinderela, Branca de Neve e Fiona. O interessante na apresentação de Cinderela é a indicação de seu “hobby”: “cozinhar e limpar para as duas irmãs más”, como se ela fizesse isso porque quer (e por serem tarefas femininas) e não porque é mandada. Outra curiosidade é que as candidatas servem para todos os gostos: uma morena, uma ruiva e outra loira (que não poderia faltar). Após a escolha do Lorde, o espelho começa a dizer que “existe uma pequena coisa que acontece a noite com Fiona que ele precisa saber”, mas o Lorde não lhe dá atenção.
O bem e o mal
O castelo onde Fiona está aprisionada é escuro e sombrio, como todos os outros castelos do mal são retratados nos filmes infantis (como fica o castelo da Bela Adormecida quando Malévola surge como um dragão). O castelo fica numa montanha coberto por nuvens pretas ao redor de um rio de lavas. Essa é uma forte característica dos filmes infantis: há uma clara distinção entre o bem e o mal, retratada através das cores e sons, pois as cores claras são utilizadas para mostrarem os heróis e as escuras representam os vilões.
O dragão surge no escuro para dar medo ao telespectador. Porém, quando encurrala o Burro e este começa a elogiar seus dentes, o Dragão aparece na luz: é rosa, com cílios grandes e pintados e batom - um dragão fêmea. O cenário muda de cor, torna-se mais claro, menos assustador. O dragão fêmea assume uma fisionomia simpática. Acaba apaixonando-se pelo burro.
Chatice que cospe fogo?
Um aspecto relevante do filme que pode ser analisado sob a perspectiva dos Estudos Feministas surge no seguinte diálogo, quando os personagens estão entrando no castelo para salvar a princesa Fiona:
- Burro: “Onde está essa chatice que cospe fogo?”
- Shrek: “Lá dentro, esperando que a gente a salve!”
- Burro: (RISOS) “Eu estava falando do dragão, Shrek!”.
Através desse diálogo podemos ver claramente como se caracterizam e são representadas as relações de gênero. Além de “chata”, podemos pensar que a mulher é considerada tagarela ou estúpida e bruta ao falar. Claudia Rael, ao estudar as protagonistas da Disney, cita o caso da princesa Ariel, que para tornar-se humana aceita dar sua voz à Bruxa Úrsula. Esta diz que os homens gostam de “garota caladinha”, “retraída” e “quietinha”. Rael analisa que “o ideal feminino vai se constituir a partir da lógica binária do masculino/feminino, onde o primeiro termo é valorizado e se opões ao segundo termo visto como negativo” (RAEL, 2002:48). Neste caso, as atitudes femininas são definidas a partir do homem que acaba tendo o poder de determinar as atitudes das mulheres podendo falar sobre elas.
Resgatando a princesa
Um outro momento do filme onde também podemos analisar as questões de gênero é durante o salvamento de Fiona. Graças ao dragão, Shrek desmorona na torre onde está a princesa. Ao vê-lo chegar, deita-se na cama, fingindo estar adormecida. Tem até um buquê de flores a sua disposição. Quando Shrek aproxima-se, Fiona faz um bico com a boca para receber um beijo, mas ele sacode-a, perguntando se é a princesa. Esta responde que sim e que estava “aguardando um cavalheiro corajoso que viesse me salvar”. Durante toda essa cena, acabamos por relembrar os contos de fadas, bem como a posição da princesa frente ao seu príncipe encantado que veio salvá-la. A própria Fiona mostra que esse tipo de história não muda e o enredo é sempre o mesmo. Sua expectativa também é baseada no romantismo típico às princesas:
- “Espera cavaleiro! Encontramo-nos finalmente. Não deverá este ser um momento maravilhoso e romântico?”.
- “Rezo para que aceites esse favor como prova de minha gratidão!” (Fiona entrega a Shrek um lenço, mas este enxuga o suor e lhe devolve). 
- “Você não matou o dragão? Mas não está certo. Você deveria ter entrado com uma espada numa mão e na outra um estandarte. Foi o que os outros fizeram”.
Após saírem do castelo Fiona diz que eles devem se beijar. Shrek reclama que isso não estava no contrato, mas a princesa diz que o beijo é o destino, que seria o primeiro beijo do amor verdadeiro. Shrek revela então que o príncipe é o Lorde Farquaad que pediu para salvá-la. Fiona fica furiosa: “Eu tenho que ser salva por um verdadeiro amor e não por um ogro e o seu burro.”
Essas falas de Fiona revelam o quando o romantismo está associado ao feminino. É característica dos filmes infantis a princesa ser retratada como sendo sentimental, ficando a espera do príncipe encantado.
Durante a volta ao castelo do Lorde, Fiona canta com um passarinho, como no filme A Bela Adormecida. Podemos perceber o quanto a música é um recurso bastante utilizado nos filmes por sinalizarem uma certa importância emocional das cenas, descrevendo sentimentos dos personagens. Nessa cena, a voz suave da princesa reforça um forte característica da representação feminina.
Os filmes infantis também acabam por reproduzir um comportamento desejável às mulheres. Em uma cena, Shrek arrota e o burro o repreende dizendo que não era maneira de portar-se na frente de uma princesa. Esta então arrota:
- Burro: “Ela é tão nojenta quanto você?”.
- Shrek: “Ela é diferente!”
- Fiona: “Talvez não devêssemos julgar antes de conhecer.”  
O diálogo retrata que atitudes são consideradas adequadas para uma mulher, pois ao arrotar Fiona não é considerada uma princesa normal (afinal, elas também tem suas necessidades fisiológicas), mas sim diferente como se essa atitude não fizesse parte do universo feminino. Uma outra atitude que causa estranhamento aos personagens masculinos é quando a princesa luta com Robin Hood e seus amigos (no final do filme, dá a entender que esses personagens são homossexuais pois dançam YMCA do grupo Village People). Lutar é associado ao homem pois exige força e destreza, características associada ao homem. Esse é o único momento do filme em que o personagem feminino salva o personagem masculino pois o mais comum de acontecer é o contrário.
Princesa = beleza
Antes de a princesa ser entregue ao Lorde, o Burro faz uma descoberta: Fiona foi enfeitiçada por uma bruxa e transforma-se num ogro à noite. O feitiço só seria quebrado com um beijo do verdadeiro amor e assim assumiria sua verdadeira forma. Por isso precisa casar-se com o lorde antes do por do sol.
Nesse momento da história, o diálogo entre os personagens revela muitos discursos em torno do que é ser princesa e de como essa posição social está associada à beleza. Seus padrões “regulam os lugares onde as pessoas se permitem amar serem amadas: a partir deste lugar conferido pela beleza, a figura da princesa apresenta-se como apta para protagonizar o amor” (GOMES, 2000: 21). Primeiramente, o Burro tenta convencer Shrek a declarar-se para Fiona, mas Shrek diz que não adiantaria nada pois ela é uma princesa e ele um ogro. Após, Fiona lamenta-se para o Burro:
- “Eu sou uma princesa e não é assim que uma princesa deve parecer.”
- “Quem poderia amar alguém mais nojento e feio. Princesa e feiúra não combinam”.
As princesas, como a maioria das protagonistas não só dos filmes infantis, mas as que aparecem na mídia em geral, são sempre representada como jovens bonitas, esbeltas, com voz, traços e formas mais suaves, “que utilizam roupas e adereços que marcam sua condição feminina e lhe proporcionam uma aparência sedutora”( RAEL, 2002:65). Fiona também é uma princesa com corpo esguio, voz suave, olhos verdes e cabelos ruivos. Procurei selecionar figuras das principais princesas e protagonistas da Disney para mostrar as semelhanças: moças brancas, com narizes pequenos, que usam longos vestidos, muitas vezes sendo chamadas de belas. Paola Gomes, em sua tese de mestrado, conclui que existem traços típicos entre as princesas e outras mocinhas e heroínas e que estas não são “características aleatórias; o nariz pequeno das princesas, por exemplo, está carregado de alusões à pueridade que, por sua vez remete à inocência, qualidade necessária para que o amor romântico se realize da forma mais pura” (GOMES: 2000: 181).
O corpo perfeito também é associado à beleza e tem sido destaque na mídia. Nos filmes infantis não encontramos protagonistas mais “cheinhas”. Essa representação geralmente é feita com as vilãs ou criadas e empregadas das histórias. Há também uma preocupação em relação ao uso de roupas e adereços apropriados ao personagem, evidenciando belas formas e transmitindo sensualidade. “Tudo isso são construções sociais e culturais que marcam os corpos dos sujeitos e estabelecem a conformação dos mesmos às regras sociais, estéticas e morais dos grupos a que pertencem” (RAEL, 2002: 68). Assim, essas marcas servem como regulação social que indicam as identidades dos sujeitos e o seu destino na história.
Quem ama o feio, bonito lhe parece.
Durante o casamento, Shrek surge para declarar seu amor por Fiona. Esta diz que precisa lhe falar a verdade e espera o pôr do sol para mostrar-se como ogro. Shrek diz que a ama e os dois se beijam. Começa a transformação: a cena remete-nos ao filme A Bela e a Fera, quando esta se transforma em príncipe encantado. Porém Fiona continua como ogro. Não entende:
- Fiona: “Eu deveria estar linda.”
- Shrek: “Mas você está linda!”
Essa transformação parece surpreender, pois há uma certa expectativa de que Fiona torne-se novamente uma princesa humana. É como se o final feliz fosse merecedor apenas para o belo.
O filme foi considerado pela crítica como um “anti-contos de fadas”, talvez por retratar intimidades que não costumam aparecer na mídia e por terem como personagens principais figuras que fogem ao padrão de beleza estabelecido pela sociedade. O mocinho é um ogro e seu companheiro um burro falante, e a princesa ao final assume a forma de um ogro. Porém mesmo assim a história constitui-se de um conto de fadas, por apresentar os mesmos elementos como a donzela em perigo e o final feliz, entre outros.
Durante todo o filme, pudemos perceber práticas discursivas a respeito da mulher e principalmente da beleza, sendo abordado inclusive a beleza interior. Conforme Paola Gomes, a beleza tem um padrão bem definido pela sociedade e assim, a feiúra passa a ser “ tudo aquilo que por detalhes ou evidências, escapa ou se opõe a esse padrão. Quanto mais rigidamente o olho estiver acostumado a apreciar o padrão, maiores serão as dificuldades para aceitar o que está fora desse padrão” ( GOMES, 2000: 187). São as diferenças que não são aceitas ou que são excluídas em função da identidade padrão.
E o final da história? Eles viveram felizes para sempre.
Palavras finais????
Os desenhos animados, como vimos, fazem circular discursos sobre beleza, sexualidade e gênero. Por ser uma das instâncias culturais que participam da constituição de identidades e subjetividades, precisam ser analisadas com um olhar crítico.
Muitos saberes veiculados pela mídia são tomados como verdades. Os filmes infantis reforçam as oposições binárias: bem ou mal, heróis e vilão, homem e mulher; valorizando o primeiro elemento. Essas imagens produzem modos de ser que constituem subjetividades.
Em relação a beleza, tratada nessa pesquisa, há um discurso do belo, do corpo perfeito e das mulheres que são produzidos para seduzir e encantar as pessoas. Pois ao consumirmos essas imagens, estamos absorvendo a idéia da eterna juventude das princesas bem como o desejo de um amor ideal e felicidade para sempre.
Ao veicularmos os filmes infantis nas escolas, parece importante questionar que tipos de discursos são transmitidos. Este artefato cultural não deve ser considerado apenas como entretenimento, mas sim um importante local de cultura infantil que colabora na constituição de sujeitos.